da série "é fácil ser takeda"
o libertino pediu, então lá vai...
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Solilóquio de merda
"Solilóquio, que merda de palavra é essa?"
Felix estava entrando no elevador e ainda pensava naquela maldita palavra que ele ouviu pela manhã. Ouviu sem querer de uma garota estranha que cruzou seu caminho no corredor da faculdade.
-Solilóquio?
Ele nunca ligou muito para palavras. Para ele, palavras só faziam sentido se fossem agrupadas com outras em uma certa ordem e montassem assim, uma frase.
Frases. Ah, isso ele gostava. Colecionava na sua cabeça frases de filmes, de músicas, as adorava. Nem precisava anotar e às vezes ouvia músicas ou assistia a filmes pela milionésima vez só pra ouvir as frases sendo ditas. Era quase uma tara, um fetiche mesmo. A mais pura "pornografia pop".
Mas o fato é que fazia tempo que ele não tinha nada para pensar. E a garota era estranhamente bonita.
E solilóquio... ele já ouviu essa palavra uma vez, talvez em uma outra língua, talvez por isso a curiosidade... sim, ele já ouviu essa palavra, em uma música, mas que música?
Saindo do elevador, ele conversava sozinho, mentalmente. Abriu a porta de vidro cheia de marcas de dedos que dava entrada para o escritório.
Felix era resenhista de quadrinhos, trabalha em uma revista especializada em HQ's, a AgáQuê?. Ele cheira as axilas e lembra que essa camisa desbotada do Wilco já viu a rua 3 vezes só esta semana.Invade a sala da recepção com o assobio de "Red-eyed and blue" entre os lábios e solta:
-Bom dia, Dana.
-Boa tarrrrde, Felix. - responde a recepcionista que trabalha por lá desde a Era Cenozóica.
Estava atrasado. Felix não tinha relógio. Não suportava ser controlado por nada, muito menos pelo tempo. Como ele poderia questionar o tempo? Como poderia se rebelar contra este tipo de controle? Se fosse para ser controlado, que fosse por uma coisa palpável, real, como...
Estava atrasado. Felix não tinha relógio. Não suportava ser controlado por nada, muito menos pelo tempo. Como ele poderia questionar o tempo? Como poderia se rebelar contra este tipo de controle? Se fosse para ser controlado, que fosse por uma coisa palpável, real, como...
-Felix, na minha sala, agora!
Como o seu chefe, Manuel.
-Bom dia chef...
-Senta aí. Ainda não vi a resenha que te pedi... deixa eu ver que dia...
Manuel pega um calendário.
Não suporto calendários - resmungava mentalmente Felix. Adoraria viver em uma sociedade em que os relógios e os calendários simplesmente não existem. Relógios, calendários e sobretudo, azeitonas, odeio azeito...
- Dia 5. Três semanas atrás! - esbravejou o chefe cortando o seu raciocínio.
... nas... eu odeio azeitonas. Pra que servem as azeitonas? Martinis? Estragar o arroz? Eu até suporto as pretas, mas as verdes... e se a sua mãe colocasse azeitonas no arroz, você ia me entender. E talvez até... me dar razão. - completa revoltado.
- Tá aqui... - diz Felix, jogando umas duas ou três folhas de papel em cima da mesa.
Ele levanta da cadeira, sai da sala e cumprindo o ritual, entra na cozinha e pega sua dose de morfina diária.
Forte e puro, servido em uma xícara do Star Wars com o Chewbacca, Han Solo e Princesa Lea estampados. E claro, com a beirada quebrada.
Merda.
Queima 70% da língua e pra salvar os outros 30%, queima 2/3 da garganta.
Vai para sua mesa, o computador já está ligado. Ele balança o mouse, o monitor cheio de adesivos de super-heróis de animes e de bandas desconhecidas sai do descanso e na tela pisca um alerta:
"Você tem 3 novas mensagens!"
Desanimado, Felix toma mais um gole de café. Engole com dificuldade. Abandona o Chewbacca em cima da mesa e acende um cigarro. Gira a cadeira em direção a janela. Lembra da moça da faculdade. Recorda que já havia cruzado com ela antes. Sim. Numa festa de Indie Rock, em algum buraco da cidade.
Ar blasé, lábios finos, meio moderninha...
Olhos grandes, expressivos, esbugalhados mesmo, parecem ter saído de um mangá ou de um filme francês famoso - isso, aquele mesmo. Suspira. Se ajeita na cadeira e fala pro ar:
- Solilóquio.
Do outro lado da cidade, um par de coturnos pretos, surrados e mal amarrados passeiam com passos curtos e rápidos por uma rua fria e sonolenta. O sol ainda preguiçoso e fraco é reflete nas curtas e ralas madeixas negras. A franja, insiste em cair nos olhos.
- Que frio da porra! - pensa Justine, acompanhada do seu bom humor matinal e de uma baforada da mais pura nicotina.
Ela pára em um ponto de ônibus, abraçada aos cadernos, cara emburrada, fone de ouvido e no cd player toca alguma coisa, de alguma banda, muito desconhecida... de nome muito, muito estranho. E longo, muito longo... daqueles que não repetem uma vogal sequer. Banda de um país que nem mesmo tem água potável... que ela provavelmente encontrou em alguma resenha na internet... em algum site sobre indie rock... que também era muito, muito indie.
De repente o ônibus chega. Começa outra música. Marlboro sem filtro ao chão. Coturno.
"...Always stays the same / nothing ever changes..."
Fones de ouvido são, sem dúvida, uma grande invenção. Junto com os aparelhos portáteis, como discman e ipod's da vida.
Eles nos salvam de muitas coisas desagradáveis. Tipo, andar de ônibus. Quem nunca entrou em um ônibus lotado e nele, algum chato começa a conversar com você quando você não quer conversar - ainda mais quando "não querer conversar" é um estado quase que permanente. Ou tem uma criança aos berros, ou ainda-ainda, um bando de teens gritando e zoando, ou ainda-ainda-ainda, alguma garota "conversando" alto com o namorado pelo celular... pelo celular cor de rosa shock com adesivo do Hello Kitty?
Então.
Esse era o pensamento de Justine. Mas ela tinha fones de ouvido. Ela estava salva. Por um momento ela até pensou em fazer uma camiseta ou se engajar em uma campanha do tipo:
"Pela canonização do fantástico ser bípede, mamífero, baseado em carbono, de polegar opositor que usou o telencéfalo altamente desenvolvido para inventar os fones de ouvido!"
Ia fazer bottoms, bandeiras, comunidade no Orkut. Mas aí ela ficou quietinha e esta vontade, passou.
Pula pra outra música.
Ah, Justine adorava música. Na verdade, music era o sugar dela.
Ouvia o tempo inteiro, tinha toneladas de cd's, alguns vinis herdados de uma tia hippie, que ela vez ou outra trocava por cd's usados na galeria central.
Era uma garota viciada em cultura pop e suas adjacências.
Como o Rivers Cuomo, tinha pôsters na parede. Mas não eram do KISS. e tocava baixo, mas no quarto, não era na garagem.
Livros, tinha vários. A maioria esperando serem terminados. Lia vários ao mesmo tempo e ao mesmo tempo, não lia nenhum. Dezenas de filmes na prateleira. Ia de Woody Allen a Disney sem a menor cerimônia. Odiava o Oscar. Amava a Winona Ryder. Cinéfila de carteirinha, colecionava tickets de cinema. Era um clássico exemplar de rato de locadora e/ou piolho de cinema.
O bus chega ao destino. É hora de desembarcar. Dá o sinal. Desastrada, quase torce o pé quando desce do ônibus.
Atravessa a rua com displicência: "Carro tem freio e eu tô passando!".
Passa pela portaria, cumprimenta o porteiro com as sobrancelhas, sobe dois lances de escada e ofegante, gira a chave na fechadura.
- Tenho que tentar mais uma tentativa de tentar parar de fumar - pensa alto a ashtray girl.
A porta se fecha:
- De volta ao meu mundinho.
Coturnos e cadernos são deixados pelo chão, ela acende um cigarro. E não, não é o último. Tento mais tarde.
Tira o telefone do gancho.
Tuuuuu...
- Pelo menos ainda tenho internet.
Olha para a prateleira de cd's, todos, organizados por ordem de chegada.
Os olhos passeiam e nada encontram.
- Preciso ouvir um som novo. - resmunga, entre os dentes amarelados.
Então ela se dá conta de que está falando sozinha, de novo.
Solilóquio de merda!
Liga o computador. Winamp no randomic mode.
Uma voz anasalada e familiar preenche o quarto:
"...last chance to make believe in... always and all it seems / train wrecks hide underneath your umbrella / set the frame destiny... on this first name soliloquy / tired symphonies play downward..."
E vai me dizer que você nunca falou sozinho?
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Solilóquio: 1) falar de alguém ou de alguma coisa consigo mesmo; monólogo. 2) forma dramática ou literária do discurso em que a personagem extravasa de maneira ordenada e lógica os seus pensamentos e emoções em monólogos, sem dirigir-se especificamente a qualquer ouvinte.
de merda - é uma merda falar sozinho. mas por outro lado é bom, porque assim alguém te escuta.
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trilha sonora: let me give the world to you - the smashing pumpkins.
21 Comments:
tem zilhões de referências nessa bosta, os nomes, lugares, roupas, pessoas, enfim, ZILHÕES. até a porra da frase do título.
e essa música machuca.
nossa, adorei este texto.
e amei essa apssagem: Banda de um país que nem mesmo tem água potável...
hahaha
bom fim de semana, meninos!
ai, ai, bons tempos aqueles os de 2004.
fino esse texto. fino esse bológue.
rola uma continuação hein?
é. com sangue.
sangue é legal.
2004 foi legal?
2004 foi legal. mas 2005 foi melhor. tipo, teve mais sangue.
2005: MEMORÁVEL.
num lembro.
eu comi alguém?
se comeu, deve ter sido o libertas.
ou o guguzinho.
ou o mustard.
perguntei se eu comi alguém diferente, não esses aí q já são ululantes, óbvios, ________.
(cara, eu amo essa palavra, até qdo ela num encaixa com perfeição, daquelas perfeitas, sabe?)
a palavra é ululante, num é a _________ não...
ela encaixa bem, é?
já falei que a Joanna Newsom tem uma música com um trecho assim: ululate the last great american novels...?
hj a noite não, vc não disse isso não.
ah tá.
então, na Inflammatory Writ da Joanna Newsom tem um trecho assim: ululate the last great american novels.
E falando em great american novels, o Bob Dylan tem uma música que fala You've been through all F. Scott Fitzgerald's books
interessante.
mto interessante.
eu diria q é interessantíssimo.
eu amo vocês.
interessante.
mto interessante.
eu diria q isso tb é...
bah.
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